:: Raridades ::
segunda-feira, junho 13, 2005

Sobre a elite de SP, dazzled by the Dazzlu.

A Daslu e a morte do Masp

Mario Cesar Carvalho

O Masp (Museu de Arte de São Paulo) não recebeu nem um centavo de doadores privados neste ano. Talvez por isso sejam reveladoras as fotos em que Julio Neves, o presidente do museu, aparece sorrindo na inauguração da Daslu, cujo prédio foi projetado pelo arquiteto.

As fotos são reveladoras porque expõem cruamente o muro que separa os novos ricos do universo da arte: os que pagam R$ 4 mil por uma saia ou R$ 8 mil por um terno acham que não vale a pena dar um centavo para o Masp ou para qualquer outro museu.

A ascensão meteórica da Daslu e a morte lenta do Masp parecem fazer parte de um mesmo fenômeno: aquele em que a elite paulistana abandona completamente a esfera pública, o espaço de convívio com os diferentes, para se isolar em bunkers como o que abriga a Daslu.
Museus são um dos melhores indicadores da predisposição da elite para dividir um de seus bens mais valiosos: a arte. É por isso que o Brasil dos anos 70 assustava os artistas estrangeiros. Como pode um país tão pobre oferecer obras primas de Van Gogh, Cézanne e Modigliani num prédio que é, ele próprio, um assombro modernista?

Esse país parece ter acabado. Desde outubro de 1994, quando derrotou José Mindlin por um voto (22 a 21), Neves promove um processo de desmonte do Masp. Trocou o piso, aposentou os cavaletes de vidro e concreto, levantou paredes e criou uma sala VIP. Por incrível que pareça, ninguém fez nada - o Patrimônio Histórico, o Ministério Público, os artistas, os colecionadores, os críticos. Neves extrai suas forças desse vácuo: há dez anos ele está na presidência do Masp.

Neves trata o prédio de Lina Bo Bardi (1914-1992) como se fosse mais uma obra dele. Não é por capricho que se quer manter os cavaletes de vidro e o piso básico do Masp. Eles narram as opções de Lina por um modernismo seco, sem adereços. Refletem as escolhas políticas da arquiteta. Lina era comunista e, no período mais negro da ditadura militar, em 1968, emprestava o canteiro de obras do Masp para Carlos Marighela, um dos guerrilheiros mais procurados, fazer reuniões da Aliança Libertadora Nacional.

Neves, amigo de infância de Paulo Maluf, não se contenta em desfigurar o museu. Quer colocá-lo à sombra de uma torre de 125 metros de altura projetada por ele. O próprio arquiteto apelidou o projeto com o inacreditável nome de 'pirocão'. A justificativa jeca para a altura é que do topo da torre daria para ver o mar em dias claros. A torre, na visão de Neves, ajudaria a levantar recursos para o Masp. O arquiteto não consegue mostrar decentemente o melhor acervo da América Latina e quer mostrar o mar? Na escala Neves, uma torre parece valer mais do que um Rafael ou um Ticiano.

Parece inacreditável, mas há tucanos lotados na administração do prefeito José Serra (PSDB) que apóiam a construção da torre. Não percebem, talvez, que o museu corre o risco de virar uma extensão dos negócios imobiliários de Neves.

Essa história melancólica parece sinalizar o nascimento de uma nova era, na qual a elite privatiza bens públicos, como os museus, ou transforma-os em acessório de seus negócios. É o custo da ignorância, não dos pobres, mas dos que estão no topo da pirâmide econômica. Como não há mecenato no país, os museus viraram a casa da sogra.

* * *

Meu parecer: essa elitezinha inculta de SP me assusta. Um bando de deslumbradinhos, dazzled by the fashion and the Dazzlu. Em alguma medida são piores que os nouveau-riches do Rio, que fazem da Barra uma grande Miami - que por sua vez, não passa de um Paraguai de grife. Os so-called "paulistaners" são umas cabecinhas colonizadas, tão sabendo mais da rave que está rolando em Tóquio do que o que passa na rua ao lado. Os do Rio, pelo menos, gastam mais do que têm aqui nos trópicos.

Nada contra a torre. Seria de fato uma boa oportunidade de captar recursos, e mais uma aquisição para a cidade e para o país. O que não pode é esse patrimonialismo escancarado com o bem público. Que isso seja investigado e esclarecido.

* * *

Ouvindo Beautiful Ones do Suede e Common People do Pulp. Tudo a ver com o tema. E eu realmente gosto do rock nerd.

* * *

RAFA @ 13:05 tic-tac-tic-tac