:: Raridades ::
domingo, outubro 16, 2005

O Dever de Casa

Olha, cada um vem ao mundo com vários karmas por resolver. Um dos meus maiores, queridos amigos, é o tal do dever de casa.

Sim, em toda minha vida escolar, eu sempre fui o nerd. Um dos melhores da classe, quando não o melhor. Mas eu nunca, jamais fazia o dever de casa. E sempre era repreendido por isso pelos mestres.

Mesmo quando o professor era daqueles que tirava nota daqueles que não entregavam o dever, não tinha jeito. Eu ficava naquela culpa de ter perdido aquele meio ponto... mas não havia o que me fizesse mudar de comportamento. Porque minha casa era lugar de curtir. Jogar videogame, ler tudo o que eu gostava, jogar RPG, enfim, tudo o que uma criança nerd faz. Não pra fazer dever.

Não entendam essa carência como uma incapacidade de cumprir cronogramas, o que faço de maneira normal e razoável para um latino-americano com influências inglesas. Tampouco intrepretem como se não fizesse nenhum tipo de coisa útil à escola em casa. Por exemplo, sempre adorei as leituras, então ler era beleza, até gostava. Mas dever mesmo, daqueles de responder exercício com lacuninhas ou cálculos, esses eu só fazia na marra.

Obviamente, nunca fui reprovado pela falta de dever, tampouco tive hard times no fim do ano por isso. Mas é óbvio também que sempre tive um desempenho parco nas matérias que precisavam de prática freqüente, como matemática. Não tinha como ir bem se eu não fazia exercícios. E na véspera da prova não dava pra fazer muitos.

Hoje, aos 25 anos, eu ainda não consigo fazer o dever. Me dou mal por isso, mas não nos sentidos óbvios. No mestrado não tem "tia" pra cobrar o dever, são só as leituras que sempre adorei, e se estou com meu cronograma em dia, está tudo certo. Mas se é pra responder questionário, atualizar o Lattes, preencher formulário... eu procrastino, invento coisa, mas só faço quando a água está pra bater na bunda. Se é pra ler, é 2 segundos, sai rapidinho. Mas se é pra botar a mão na massa...

O pior de tudo é que ainda não sei se quero aprender a fazer dever. Não sei se isso é tão contra a minha natureza assim. E afinal de contas, no quesito falta de dever, nunca me fudi big time em nada, apesar de saber convictamente que acabo me fudendo aos poucos por isso. Ó dúvida cruel. Além de karma, acaba sendo um dilema hamletiano.

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Yom Kippur

"We can forgive you for killing our sons. But we will never forgive you for making us kill yours." - Golda Meir

DidiMary-NigriTufi-DuekJoyceLuciano_Huck

Pois é, pra completar o momento religioso do ano, foi Yom Kippur quinta. Dia do perdão. E como para nós, reles procariontes na escala evolutiva espiritual, só é possível ter idéia das manisfestações de D´us nas "coincidências estranhas", houve muitas na semana passada, e principalmente na quinta.

Como sempre digo, uma das minhas maiores críticas ao cristianismo é essa noção de que o perdão é algo fácil fácil de conseguir. É algo como "take for granted" o amor de D´us: já que eles nos ama mesmo, vai entender as merdas que fazemos. O perdão deve ser eficaz para ser perdão de verdade, deve provocar transformações no mundo, para que o erro não aconteça mais, e haja um esforço para consertar o mal que fizemos e fazemos, todos os dias, mais de uma vez por dia.

Por outro lado, é claro que concordo que o ódio e o rancor são coisas que voltam-se para nós mesmo quando os guardamos em nós, e por isso a necessidade de perdoar, de tirar de nós o que é ruim e só atrapalha. Nada pode ser obstáculo maior à felicidade do que um coração pesado. Perdoar é algo necessário para sermos felizes de verdade.

Mas digam-me, once and for all: se o perdão ineficaz não é perdão de verdade, pra que perdoar só por perdoar? Dizer que perdoamos alguém que sabemos que não fará nada para mudar nunca irá, de fato, trazer alento a nossos corações. Concordo que poderá trazer a ilusão de que as coisas podem ser diferentes, mas não as farão diferentes de fato.

A frase da Golda Meir que reproduzi acima é mais uma da coleção de ótimas frases dela. Ela a disse no início dos acordos de paz entre Israel e Egito. Discordo dela em um ponto: nada é imperdoável. Talvez não para nós, em nosso estado de evolução espiritual, mas em termos absolutos essa impossibilidade não existe e não é logicamente incompatível. Mas ela nos diz que há guerras que devem ser lutadas, e que não devemos simplesmente aceitar o que é ruim apenas porque a passividade é mais leve. É querer tapar o sol com uma peneira. Mais do que um não-perdoar, brigar também é necessário.

Não podemos ter medo de nos manter fiés àquilo que consideramos ser o certo. E como não dá para apertar mãos com os punhos cerrados, aquele que tem visões de mundo opostas às minhas será, de uma forma ou de outra, meu inimigo. Pelo menos até que um de nós convença o outro, ou que algo destrua a mim ou a ele.

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RAFA @ 14:13 tic-tac-tic-tac