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terça-feira, outubro 04, 2005

Shaná Tová

rosh-hashanah-aphoney

Baruch atá Adonai, Eloheinu, melech haolam, borei pri haeitz.
Ihi ratzon mi lefanecha, Adonai Eloheinu ve elohei avoteinu shitichadeish aleinu shaná tová umetuká.


Cheguei em casa às seis da tarde, exausto por mais um dia de trabalho. Tenho estado muito cansado nessas últimas semanas, até um pouco desanimado em comparação ao otimismo e energia dos últimos meses. Mas este não era um dia comum. Mais cedo, havia passado no supermercado e comprado maçãs, e assim que cheguei em casa à tardinha apressei-me em tirar o paletó e acender um incenso.

Desliguei a TV, a casa toda quieta. Lá fora, o canto das cigarras mais parecia um shofar. Sentei-me no sofá e comecei a orar, pela primeira vez em muito, mas muito tempo mesmo. Sim, continuo sendo esse ser secular e sem religião de sempre, mas em um dia como este é preciso valorizar o espírito. Orei pelo meu novo lar, e pedi para que o altíssimo o abençoasse. Agradeci por ter amigos tão fantásticos, e orei por eles também, que sejam felizes e que possamos estar juntos por mais um ano, acertando e errando, mas juntos antes de tudo. Orei pela minha família, agora longe, mas ainda sim mais perto de nossas verdadeiras raízes. Orei pelo meu país, meu povo e pela humanidade, cada vez mais maltratada por si própria - como se isso fosse ao fim um grande teste à nossa vontade e convicção de lutar pelo que é bom e justo. Pedi um ano próspero e feliz para mim e para os que me cercam, e que possamos ter muito dinheiro, sorrisos e saúde.

Não sei se o Grande Pai quis me falar algo, mas o fato é que essa cabecinha anda cheia de pensamentos profundos. E ontem li uma entrevista com um grande escritor que só agravou essa situação. Por exemplo, tenho pensado em como apenas parte daquilo que sabemos sobre os outros é real, se é que o "real" realmente existe, sendo o resto fruto do nosso olhar, nosso prisma pessoal de imaginação e reflexões, que no fim, acabam sendo mais nós do que eles. E com tantas pessoas dentro de nossas cabeças, vivas ou mortas, é preciso deixá-las falar. Pode parecer maluco, mas mesmo os mortos e os objetos inanimados falam a nós de muitas formas. E é bom relaxar e deixá-los contar suas estórias, mesmo que fictícias, sentar com elas e bater um papo. Porque contar estórias é como comida, sono ou sexo: é preciso dar e receber.

Os inimigos imaginários podem ser bem reais às vezes, e muitas vezes não conseguimos perceber qual é o verdadeiro perigo a nós. Sim, também pensei na morte, e de como isso é um mistério que jogamos para baixo do tapete - afinal, dá pra curtir muito mais irresponsavelmente a festa se não nos preocupamos com a conta que deixamos para depois, e que acaba sendo paga por nós mesmo ou pelas pessoas que nos cercam, seja com justiça ou não. Tenho pensado também sobre o perdão, e como devo mostrar a algumas pessoas o quanto me arrependo por algumas coisas, e que estou disposto a reparar o que fiz. De como sou capaz de perdoar males que fazem a mim, mas como não consigo perdoar aqueles que me fazem fazer mal a alguém, mesmo que merecido. Enfim, me dou conta como o perdão é algo difícil de se dar e de se pedir. Afinal, só o arrependimento não basta. O perdão deve ser eficaz, provocar transformações na prática, ou não será verdadeiro.

Ando percebendo que há coisas nos genes humanos que são quase impossíveis de serem contornadas pelas idéias ou pela razão, e que quando gostamos de verdade de alguém por vezes conseguimos absorver o que há de melhor nelas, mas que também absorvemos parte do seu karma, e que devemos ter a coragem de lidar com isso mesmo quando o egoísmo nos diz para cuidar apenas de nossos próprios problemas. Que nossa idéia de justiça pode ser bem diferente da de outras pessoas, e que devemos debater e trocar impressões sobre isso, sem contudo deixarmos de nos manter fiéis ao que acreditamos. Tenho pensado também em como a vida é de fato um lindo milagre, e como fico feliz ao saber que algum amigo está "grávido".

E depois de tantas idéias desconexas, pensei nas coisas principais: em como me tornei uma pessoa verdadeiramente pragmática sem me render ao utilitarismo, e como gosto de me perceber assim. Os sonhos são sempre melhores que a realidade, e que a maior prova de maturidade é conseguir curtir a realidade, mesmo que ela não seja tão luminosa e bonita quanto no sonho. E que afinal, não é preciso amar as pessoas. Respeitar já tá bom. E olha que isso é muitíssimo!

Enfim, depois pensar tudo isso, agradeci por estar vivo. Como manda a tradição, enchi uma tigela com mel, e comi a maçã que havia reservado. Que nossas vidas sejam doces como o ano que começa, e que o livro que agora se abre seja cheio de belas estórias.

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RAFA @ 20:09 tic-tac-tic-tac