:: Raridades ::
segunda-feira, novembro 21, 2005

Carinho for granted

Os excessos dos últimos dias me pegaram de jeito agora de noite. Excessos de trabalho, de estudo, de correria, de balada, beber e fumar alucinadamente sem comer direito, etc e tal.

Não teve outra: garganta fechou, estômago reclamou, sinusite atacou a mil. E cá estou eu com uma insônia féladaputa, sabendo que a segunda-feira será de cão, e que preciso estar descansado para o amanhã. Eu até quero o tal descanso. Mas será que eu consigo?

Nessas horas é que eu penso como está sendo diferente a vida de morar só. E de quanto carinho e atenção nós - nós mesmo, os filhos da classe média e média-alta urbana, universitários bem alimentados - ganhamos sem nos tocar (ou dar o devido valor) do tanto de energia e tempo está sendo mobilizado por nós.

Mais cedo eu estava me sentido devagar. Drowsy. Sem ânimo. E qual a minha surpresa, cá com meus botões: não havia ninguém pra fazer jantar pra mim. Nem pra comprar o remédio na farmácia. Não digo nem o cafuné, essa necessidade de todo mundo que fica assim. Digo as coisas mais básicas, necessidades materiais e objetivas, que nossas famílias nos dão, e que passam totalmente batidos.

Fazer balada com o dinheiro dos pais é sempre mais fácil do que fazer com nosso próprio. Muito mais fácil esbanjar o dinheiro dos outros, óbvio. Da mesma forma, é muito fácil se esbaldar na balada três ou quatro dias por semana quando temos uma família e uma casa para cuidar da gente quando esse excesso cobra a conta. Nessas horas, agradeço pelos amigos que tenho, e pela atenção que eles me dão. Mas não tem jeito, casa é casa, mãe é mãe, e não tem mais volta, somos oficialmente adultos, e estamos on our own agora. Os amigos são mesmo a nossa segunda família. Nearest and dearest. But second, nonetheless.

E isso me leva a uma reflexão bem mais foda. Percebo que com o tempo a gente vai virando adulto casca-grossa, e toda essa coisa de "atenção & meios" que falei aí em cima vai perdendo a importância. Mas, como tenho aprendido nos últimos três anos, nossas imagens exteriores, de pessoas competentes e dinâmicas - verdadeiras fortalezas emocionais para quem vê de fora - acabam escondendo aquela criança interior, que na real é nosso verdadeiro eu. Essa criança sempre precisará de atenção e carinho. Vai fazer manha pra ganhá-las. Irá chorar quando sentir que não as têm, e quando tiver medo de algo. A lógica cartesiana da vida adulta e das imagens de semi-deuses pedirá (ou imporá) que a matemos, como num sacrifício que todos temos que fazer no altar da eficiência e do dinamismo da vida moderna, para sermos aceitos na tal grande sociedade. Só não percebemos que, ao matá-la, matamos o que há de mais autêntico em nós. Aquilo que é mais básico, o mínimo, o caroço que resta. Afinal, crianças são instintivas, e não simbólicas. Não têm as nóias nem construtos psicológicos complexos típicos dos adultos urbanos. Matar essa criança, ou não permitir que ela se manifeste, é que é morrer de verdade. É morrer bem antes da morte física. Não só porque matamos nossa própria essência, mas por não nos permitir a sonhar.

Amanhã, o sol vai bater na minha cara feia e barbada. Vou vestir um terno, me olhar no espelho, e vou trabalhar. Vou me achar um gato, a máquina de direito internacional, apesar dos dois ou três comprimidos que precisarei para a garganta. Ficará aquela sensação, como a que estou tendo agora ao escrever isso, que há algo de inocência perdida nessa mera dor-de-garganta que tenho. E que, na noite de hoje, a criança lá dentro bem que quis fazer manha pra ganhar atenção. Não conseguiu. A auto-imagem de adulto-provedor não ia deixar. Mas o principal: não havia a quem.

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calvinapocrifo

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RAFA @ 01:58 tic-tac-tic-tac