:: Raridades ::
quarta-feira, janeiro 31, 2007

Bolacha Negresco

O grande amigo e estagiário Galileu deu a dica, e eu repasso: nesse sáite, o MilVinil, a gente encontra uma coleção enorme de discos de vinil, a grande maioria de títulos que só foram lançados nos velhos bolachões pretos. O (mais) legal é que é 100% legal, nada da so-called "pirataria" do compartilhamento das músicas em P2P. Aliás, grossas aspas nesse pirataria, que eu creio piamente que a música é uma arte performática, e que por isso mesmo esse beiço todo que as gravadoras fazem é totalmente infundado do ponto de vista jurídico e da filosofia da arte.

O sáite é muito legal, tem coisas ótimas, e vale a pena prestigiar o trabalho do rapaz. Mas, como nada é perfeito, digo aqui o meu porém: pra mim ficou claro que a preferência musical do dono do site tem um viés político subjacente ao gosto artístico - ou seria o contrário, hem? De qualquer forma, notei que muitos os discos elencados tem aquele arzinho de só-acho-bom-porque-é-música-contra-a-ditadura, aquela estética vermelhinha de vamos-para-cuba e viva-la-revolución. Que fique claro que as músicas não deixam de ter valor por serem de protesto, nem o autor do site tem mau gosto só por publicá-las. Mas eu não gosto da Beth Carvalho e do Zeca Pagodinho só porque eles são botafoguenses, entendem? Ainda bem que tinha um disco do Wilson Simonal lá. Senão já ia achar que o cara era filiado ao PC do B e ao MR-8.

Vou falar de algumas pérolas que achei por lá. Primeiro, um disco só de gente boa recitando Pessoa:



Novos Baianos, sempre novíssimos:



O famoso disco do Tom Zé, e sua fantástica capa. Adoiro. No site eles dão a estória do making of (ou seria making love?) da foto.



Esse do Belchior é dugaráio. Simplesmente adoro esse disco, principalmente a faixa-título, apesar de sempre achar que as músicas do Belchior ficam sempre melhores nas vozes de outras pessoas que não o Belchior.



Pra finalizar, esse crássico. Tim Maia na sua fase doidão-mas-clean-das-drogas. Pra mim uma das melhores manifestações do soul brasileiro, não por acaso retrazido à tona pelo Cidade de Deus. Homenagem à amiguinha Geisa, que tá de mala pronta pra Barcelona e que me introduziu a esse disco, lá em Porto Alegre, em algum lugar de um passado distante.



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Falando em Porto Alegre, comprei esse livro aí do Moacyr Scliar - um dos meus escritores favoritos - pra entender um pouco mais sobre a melancolia. Já estava namorando esse livro faz tempo, e inclusive já tinha lido bons pedaços dele na internet e nas Sicilianos da vida.

No resumo do resumo, esse livro é um grande ensaio sobre a história da melancolia no Brasil, como chegou com a "saudade" dos portugueses e com o banzo dos escravos, e como se desenvolveu, do samba de roda à melancolia da solidão sertaneja. Tô achando fantástico.

Só depois de sair da livraria é que fui me dar conta de um absurdo: passei quase um ano inteiro sem comprar livros for leisure. É, acho que algo andou muito errado mesmo em 2006...



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RAFA @ 16:54 tic-tac-tic-tac

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Os Embaçados

(dica: para abrir os links em nova janela, aperte shift junto com o click do mouse)

Depois de um sábado de muita Absolut, dediquei um domingo inteiro ao consumo de arte - música, mais especificamente. Primeiro, tocando uma viola com Pedro e Karina por algumas horas, depois revendo (e revivendo) um pouco da minha história musical. O que eu ouvia no segundo grau, na época das primeiras bandinhas, na faculdade. Como sempre, é muito legal ver as coisas em perspectiva, ainda mais quando a "coisa" em questão é você mesmo.

Cheguei à conclusão que não tenho coragem de dizer qual é a minha banda número 1, a favorita, a best-of-all-time, mas se tivesse, acho que seria mesmo o Blur. Revi vários clipes deles no YouTube esses dias, desde os felizinhos Parklife (com os monólogos cockneys do Phil Daniels, o astro de Quadrophenia), e Coffee & TV (o da caixinha de leite simpática), aos mais referenciados em termos culturais: o nouvelle vague francês de To the End (uma referência a Marienbad, como a Karina bem apontou), o experimento de sono de No Distance Left to Run (o mais denso de todos, principalmente com as declarações do Damon Albarn sobre a música no final), a minha sempre favorita The Universal- com uma homenagem ao Laranja Mecânica do Kubrick, atenção para o beijo no último milissegundo, e para o fraseado dos violinos no final, simplesmente fantástico - e as versões ao vivo de Jubilee na MTV e de This is a Low no VH1, numa versão com áudio e vídeo péssimos, mas que valem pela raridade. Aliás, a música é perfeita para curtir a fossa bêbado, realmente te faz voar.



Mas a escolhida para ser publicada aqui é a Beetlebum aí em cima, pra resumir esse post linkado e o meu estado de espírito. Essa faixa faz dez anos agora em 2007, o que é emblemático pra mim pelo aniversário de formatura no colégio. Letra, música e clipe são simplórios, esquema quarteto-de-rock, mas os tempos e compassos são usados de forma muito criativa. É ótima pra viajar e pensar na morte da bezerra fumando um cigarritcho, principalmente o vôo no minuto final. Pouca gente sabe, mas a música é sobre a Justine Frischmann, do Elastica, na época namorada do Damon Albarn. Os dois eram um tipo de casal perfeito, ambos artistas multimídia e criativíssimos, cheio de colaborações e projetos em comum; perfeitos não fossem os vícios da Justine em álcool e heroína (o "just get numb" na música), e a vulnerabilidade de homem pós-sexo-mentiras-e-videotape do Damon (o "when she lets me slip away/nothing is wrong" da letra).

O rompimento dos dois em 98 deu um disco ao Blur, Thirteen de 99, o mais rasgadamente soturno e romântico. Um disco que eu não entendia bem até recentemente, justamente por ser tão complexo e pessoal. O "13" é o inferno lírico do Damon, o retrato da deprê e da confrontação dele com seus fantasmas pessoais. É esse o "the ghost I love the most" de Tender, outra música ridiculamente simples, mas que diz muito com pouco. Não há dúvidas que um foi o amor da vida do outro, apesar do Damon hoje estar bem-casado com uma artista plástica e cuidando de sua baby girl.

Pra resumir, adoro o Blur. Pelas músicas com referências culturais e idéias elaboradas, e pelas melodias oníricas, que lembram o voar e o sonhar. Adoro a versatilidade da guitarra do Graham Coxon, ele realmente toca de tudo, e tem um estilão nerd nos óculos que é inconfundível - e inclusive bem zoado nos óculos do "pai" no clipe de Coffee & TV. Gosto das caretas e da voz do Damon, apesar de achar que ele desafina às vezes. Enfim, é a minha referência número 1, mas não a única, obviamente. Passear por essas músicas e clipes é passear pela minha vida nos últimos dez ou quinze anos. Pra quem vai pegar esse bonde, boa viagem!

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Três músicas têm me seguido na balada. Minhas pernas já tão quase entrando no automático quando as ouve.
Marcelinho da Lua - Tranquilo
David Guetta - Love don't let me go
Scissor Sisters - I don't feel like dancing

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RAFA @ 21:07 tic-tac-tic-tac

sexta-feira, janeiro 26, 2007

O avesso do avesso do avesso

Gosto muito do Caetano Veloso. Acho até que ele foi bem mais importante do que o Chico Buarque - que pra mim é o compositor mais overrated do Brasil - justamente pela mistura de ritmos bem autenticamente brasileira e pela precisão lírica que ele desenvolveu. Parece que o Caetano nos transporta para sua visão poética assim, seamlessly, sem ruído. É por isso que gosto tanto de London London. E é por isso que Sampa define tão bem a nossa metrópole.

São Paulo fez 453 anos. Pra mim esse número é meio agourento, lembra-me da Queda de Constantinopla, em 1453. Como se sabe, a cidade foi tomada depois que Mehmed II ordenou o enfraquecimento das muralhas da cidade pela construção de túneis embaixo delas. O peso das muralhas sobre os buraco abaixo fazia-as ceder. Um pouco como o que aconteceu nas obras do metrô.

Toda essa abstração é para dizer que gosto de São Paulo, mas só pra passar uma semana. O excesso de concreto e de gente me oprime demais, esse mar de pedras, sei lá, eu e Sampa não combinamos muito. Mas gosto da agitação metropolitana, dos meus amigos paulistanos, das baladinhas - apesar de as achar meio caras - enfim, da diversidade intrínseca a uma aglomeração de quinze milhões de pessoas.

Assim como Brasília, São Paulo precisa se reinventar. Precisa encarar seus fantasmas e seu lado mais escuro, ou será engolida por eles numa enorme cratera. Reproduzo abaixo um texto do Josias de Souza que trata exatamente dessa necessidade. Achei interessante o estilo de frases curtas sem pausa, parece o próprio ritmo da cidade, sem espaço pra respirar na leitura. Aos leitores, have fun, e aos amigos paulistanos, parabéns por sobreviverem.



"Aos 453 anos, São Paulo não é mais cidade. Virou entidade. A anciã é precedida pela fama. São Paulo é desregrada. Dorme tão tarde e acorda tão cedo que convive com a ilusão de que não pára. São Paulo é soturna. Tem ojeriza a cores vivas. Veste cinza. São Paulo é imprudente. Adora roleta-russa. Às vezes estoura os próprios miolos. Elege o Maluf, o Clodovil... São Paulo é hesitante. Ama o feio e o caótico. É correspondida por ambos. E, enquanto não se decide, deita-se com os dois. São Paulo é medrosa. Prefere passear no shopping, uma cidade onde a cidade não entra. Uma cidade sem os problemas da cidade. E com seguranças na porta. São Paulo é contraditória. Mora na fartura. Mas seus janelões quatrocentões dão vista para a miséria. São Paulo é resignada. Não reage a coisa nenhuma. Quando atacada pelo PCC, corre pra casa. No fundo, no fundo receia gritar por socorro. Pode aparecer a polícia. São Paulo é o elogio do capitalismo à brasileira. Dentro do Mercedes, vidro levantado, metida em roupas chiques. São Paulo é a crítica do fracasso do capitalismo à brasileira. Debaixo do viaduto, mão estendida, farrapos a recobrir-lhe o corpo. São Paulo é inventiva. Encontrou um modo diferente de sair do buraco. Cavou uma cratera bem maior. São Paulo ama a si mesma. Ostenta uma felicidade melancolicamente negativa. Sorri quando não fica encalacrada na Rebouças ou na Faria Lima, quando não morre afogada no Anhangabaú, quando não dá de cara com o revólver no semáforo... São Paulo vive com a mala no bagageiro. São Paulo não resiste a um feriado. Mesmo no seu aniversário, São Paulo não hesita em pôr o pé na estrada. São Paulo foge de si mesma. São Paulo já não se agüenta."

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RAFA @ 18:32 tic-tac-tic-tac

segunda-feira, janeiro 22, 2007

E viva o Sri Lanka!



É do gueto, é brega, e é do caráio, claro. Vocês sabem, eu tenho uma queda fortíssima por esse exotismo meio selvagem - sem etnocentrismo nenhum. Desde que vi a Indira Varma num seriado da BBC tempos atrás, comecei a notar mais as belas mulheres do subcontinente. E sempre tenho ótimas surpresas.

Essa é Mathangi "Maya" Arulpragasam, also known as M.I.A., e o nome da música é Galang. Os desenhos que passam no clipe são dela mesmo, coisa meio guerilla radio, e a melodia no final tem aquela pitada indiana única. Pra turma do REL e simpatizantes, atenção às referências à guerra civil do Sri Lanka e aos Tamil Tigers. Se gostou dela, procure "Bucky Done Gun", andou tocando nas rádios indie e no Landscape, cheia de referências ao funk carioca. Só vendo pra crer.

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RAFA @ 00:14 tic-tac-tic-tac

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Arbeit macht frei

Essa semana estou emprestado ao Gabinete da Presidência da Enap. Portanto, ralando bem mais que de costume. Ainda não é aquela coisa de tirar o couro, mas tá dando pra cansar bem no fim do dia. Ao menos a tarefa está bem interessante, assim como o grau de responsabilidade implicado nela, o que é bom, afinal estão confiando em mim. Também comecei um cursinho de revisão pro Rio Branco às noites, apesar de ele ainda não ter mostrado a que veio.

De qualquer forma, acho que há um bom tempo não fico tão atolado de coisas pra fazer, e percebo isso pela falta de intervalos durante o dia. É uma coisa atrás da outra, pequenos problemas, textos a fazer e a revisar, telefonemas, e-mails e documentos a todo momento, e haja café para segurar a atenção. Não é ruim na medida em que não dá tempo de alimentar as nóias, a confusão mental e a falta de bússola que me aflige, mas não posso dizer que é bom também. Essa rotina de ratinho de laboratório do Pavlov é especialmente cruel ao corpo, chego em casa louco pra dormir e acordo no meio da noite em vigília e com fome.



Dediquei os raros momentos de reflexão dos últimos dias para perceber como vivem essas pessoas que têm rotinas pesadas de trabalho. Em todo escritório existe uma pessoa assim, que topa o sacerdócio de carregar o piano, dez ou doze horas por dia, every single day, any given weekend. É bonito de ver essa dedicação, essa amor pela ralação e pelo ofício, mas também vejo que isso sacrifica não apenas a quem topa ir pro moedor de carne da rotina dos realizadores. No final, não é bom pra ninguém.

Vejam bem, no final perdem todos: o dedicado, que perde sua saúde, o convívio com a família, as horas de sono, o tempo livre de ser feliz, em prol dessa mais-valia - e olha eu aqui citando Marx. Perde o mercado, porque quem trabalha demais consome de menos. Perdem as instituições, que veem sua competência difusa ser diminuída pela concentração de trabalho em poucos. Perdem até os incompetentes, que por falta de habilidade ou de vergonha na cara já não conseguem contribuir muito, conseguem manter-se nas vidinhas medíocres se escorando naqueles que trabalham de verdade.

Aí leio uma entrevista da Gisele Bündchen na Folha Online falando sobre sua weltanschauung, sua visão de mundo. Destila a musa: "Hoje parece que as pessoas querem saber mais sobre quem namorou, casou ou divorciou do que das coisas que acontecem no mundo. É ridículo. Você sabe por que isso acontece? É porque 90% das pessoas estão vivendo como zumbis. Elas têm medo de olhar para dentro delas mesmas. Preferem viver a vida das outras pessoas, e não as suas vidas. Elas não estão despertas para o mundo, para as suas vidas. São como zumbis."

Do alto de seu mais puro senso-comum, Gisele está certa. A grande maioria das pessoas não tem o talento ou a sorte de estar em um ofício em que elas possam ser Marisas Monte, Pelés ou Einsteins. Portanto, têm que ralar muito to make a dough. E por isso, deixam de viver. Os gregos já sabiam disso há três mil anos: viver, ou "despertar para o mundo" como disse a übermodel, requer uma boa dose de ócio. Não o ócio completo daqueles que gozam de permanent vacations, mas momentos de contemplação inútil e não-utilitária. Os baianos e o Domenico de Masi talvez levem isso a extremos, mas é isso aí.

O ponto é que poucos de nós podem dar-se o luxo de viver com todas as cinco letras, o que nos leva a constatar que a vida, para a grande maioria das pessoas é um grande exercício de mediocridade existencial. Talvez não os 90% que nossa musa contabilizou, mas decerto o grosso das seis bilhões de almas desse planeta. E o pior é que, como o escritório que mencionei em cima, acaba não sendo bom pra ninguém, nem para os que vivem na mediocridade, nem para os que não vivem. Essas pequenas crueldades acabam se banalizando, ficando comuns demais. E aí é que os questionamentos de Camus aparecem: porque não acabar com essa merda de uma vez? Responde o mestre: viver é foda, viver é difícil, mas viver é uma necessidade.

O Luiz Mendes escreveu um ótimo artigo na Trip sobre justamente sobre isso. Chatterton suicidou, Kurt Cobain suicidou, Nietzsche enlouqueceu e nós não vamos nada bem. E não é pra culpar o capitalismo, a globalização ou o imperialismo americano, o fato é que esse sistema em que vivemos alimenta as pequenas crueldades que deixam o mundo insuportavelmente feio. Diz ele: "Precisamos levantar para trabalhar no dia seguinte, e no outro também. Incertos do que somos, embora seguros de que não podemos ser diferentes de nós mesmos, buscamos marcar posição aproximada ao nosso centro, para nos manter flutuando". É verdade. E acrescento: se somos capazes de nos manter flutuando, é porque ainda podemos sentir. A crueldade é infinita, mas nunca superará nossa capacidade de perceber a beleza.

Enquanto isso, vamos vivendo, one day at a time. Hemingway - aquele gênio que também suicidou - dizia que o mundo é um lugar lindo, e que vale a pena lutar por ele. Eu e muita gente boa seguimos acreditando, mas somente na segunda parte da frase.

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Viram porque eu passei tanto tempo sem escrever? Rotinas apertadas fazem as semanas passarem muito rápido. Quase não acreditei quando vi que já fazia uma semana que eu não postava. Passou voando mesmo.

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RAFA @ 16:16 tic-tac-tic-tac

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Pensamento que vem de fora
e pensa que vem de dentro,
pensamento que expectora
o que no meu peito penso.
Pensamento a mil por hora,
tormento a todo momento.
Por que é que eu penso agora
sem o meu consentimento?
Se tudo que comemora
tem o seu impedimento,
se tudo aquilo que chora
cresce com o seu fermento;
pensamento, dê o fora,
saia do meu pensamento.
Pensamento, vá embora,
desapareça no vento.
E não jogarei sementes
em cima do seu cimento.

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Soundtrack para uma noite aperriada:

Lily Allen - Smile
Babyshambles - Fuck forever
Garbage - Stupid girl

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Macs: ame-os ou odeie-os.
Ou como eu, ame-os e odeie-os, ao mesmo tempo, simultaneamente.
Isso merece um post. Mas não agora, sorry.

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Ando meio de mal com Brasília, pela primeira vez desde que cheguei aqui há 6 anos.

Não é só revolta com a cidade vazia em clima de "férias" - nas aspas leia-se: apenas para os privilegiados caras-pálida que não têm que carregar o piano nem estudar de fato. As coisas têm melhorado, é verdade, e principalmente agora que vão substituir os pardais por lombadas eletrônicas. Mas é uma merda viver numa cidade que está sempre no futuro-do-pretérito arquitetônico e de vida. Brasília, em vez de ser o que é, é o que pode ser. Ou melhor: o que poderia ter sido.

A confortável tranquilidade da rotina é bem mais tranquila e rotineira do que nos outros tantos lugares que já morei. É engraçado, porque em outras cidades, especialmente nas caóticas e vibrantes so-called metrópoles, as pessoas procuram é incorporar rotinas para não pirar a batatinha. Lembro-me de uma papo-cabecíssimo que eu tive com uma jovem senhora em Londres, que todo dia batia ponto no cornershop do indiano perto da minha casa depois do expediente. Sempre a via lá, mais ou menos na mesma hora. Dizia ela, em uma cidade em que os dias são tão diferentes uns dos outros, o excesso de informação pode ser enlouquecedor. Então, instintivamente, criamos uma rotina para nos proteger.

Em Brasília rola o contrário. Parece mesmo que, pra não pirar, o que a gente tem que arrumar é problema. Dos reais e dos inventados. Às vezes um probleminha, às vezes encrenca grossa. Sempre disse que Brasília é uma espécie de Suécia tupiniquim, em que os motoristas param na faixa e tudo é arborizado. Pois aqui também é a Suécia no sentido mais nefasto: é uma cidade perfeita para se auto-destruir. Não a auto-destruição clássica, à la carioca, regada a cocaína e sexo selvagem, por vezes no tiro. Aqui a coisa é mais medíocre e não tem pólvora. É normalmente a auto-destruição lenta e não menos cruel dos pequenos vícios, dos porres, do béque nem-tão-ocasional, das porradas dos mauricinhos, enfim, da grandiosa limitação intelectual daqueles que têm tudo na mão. É difícil expressar, mas é isso aí. O importante é perceber que isso parece mild, light até. Mas é tão cruel quanto as auto-destruições apoteóticas, de mesma forma que morrer de sede ou fome. Talvez até mais cruel para alguns.

É a mediocridade de grife, expressa nas meninas do lago ou dos chiques recent-developments do plano piloto e suas turminhas de segundo grau, suas caras faculdades-coleginho, seus fotologs clichezentos e sua absoluta falta de conteúdo. É a do funcionário público coça-saco de amigos poderosos e sorrisos prontos. É o pequeno empresário evangélico-reaça, com suas intolerâncias e provincianismos, que esconde a garrafa de whisky na gaveta de baixo. Brasília é cheia de personagens desse tipo. Nelson Rodrigues teria um prato cheio.

Tá foda de encontrar gente que preste por aqui.

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RAFA @ 01:05 tic-tac-tic-tac

quarta-feira, janeiro 10, 2007


Auto-indulgência da semana: Mostarda Dijon.

Deve ter sido sobra de Natal. Estava baratíssimo. E foi essa aí mesmo, Maille. Das boas, dizem. Comprei um potão, pra meses e meses.

Pronto. Sem mais auto-presentes pelo resto da semana. Ou do mês, sei lá.

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Primeiras Leituras


Incluí o blog do Reinaldo Azevedo nos links Sharp Cuca. Às vezes o acho demasiado cáustico, mas não deixo de concordar com quase tudo o que ele diz. Aliás, que saudades da Primeira Leitura... fiquei triste com o fechamento dela, ano passado. Era leitor assíduo.

Pra facilitar a vida dos interessados, Clique akê

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Vespúcia

Programão de domingo num janeiro cinza de Brasília vazia é ver TV. Um dos quadros do Fantástico desse domingo foi uma entrevista com Ariano Suassuna, desde sua casa na Rua do Chacon - na minha Casa Forte - com o conterrâneo Geneton Moraes Neto. Não posso furtar-me em comentar que o mestre, como comentarista político, é um ótimo escritor.

Não, não é birra minha por ele ter apoiado o PT na eleição. Se tivesse birra, nunca mais voltava pra minha terra, celeiro histórico de vermelhos. Mas é que um dos motes principais da entrevista era questionar o mestre qual era o maior monumento ao mau-gosto no Brasil. Respondeu ele: a réplica da Estátua da Liberdade, naquele shopping na Barra da Tijuca.

Concordo. Aquilo é um disparate. Só poderia estar mesmo em um bairro conhecido por seus condomínios fechados e sua gente deslumbradinha, nouveau-riches jiujiteiros e aspiradores de pó. Minha discordância começa com a complementação da resposta: "aliás, não gosto nem da original".

Peralá, grande Ariano. A original é linda. Simboliza talvez o ideal mais comum à consciência humana desde que saímos das cavernas. Em seu pedestal, o poema que se lê é de arrepiar: "Give me your tired, your poor, your huddled masses yearning to breathe free", é o que diz a colossal Liberdade iluminando o mundo. É de se imaginar as hordas de pobres imigrantes vindos dos sete mares a chegar, fugidas, cansadas, rotas, em Ellis Island e daí partir para formar a potência - bem ou mal, potência - que conhecemos como Estados Unidos da América. Tudo por uma promessa de liberdade, bem ou mal, cumprida.


Mas entendo a natureza da fala do mestra Ariano. Há um anti-americanismo velado no seio de nossa intelligentsia, desde muito tempo. A intelectualidade brasileira sempre foi um tanto francófila - vide Chico Buarque em seu apartamento em Paris - e sabemos bem como os franceses enxergam os americanos, não? Acabamos herdando isso, muitas décadas atrás. Mas hoje a matriz é outra. É um anti-americanismo estúpido, apoiado na tradição e perpetuado por um pseudo-projeto de inserção global que nem de longe corresponde à nossa realidade.

Me digam: porque tudo o que vem os Estados Unidos é necessariamente ruim? Entendo que eles não são lá os supra-sumos da sofisticação, mas vejo muitos méritos neles, senão não haveriam de ter o status hegemônico de hoje.

Não sou um anti-americano. Admiro os distantes vizinhos do norte, ao mesmo tempo que os critico. E ao contrário de muitos patrícios brasileiros, meu nacionalismo não depende de contrastes nem de inimigos externos. Sou convicto que ser brasileiro é muito bom, independente do fato de ser americano, ou de qualquer outra nacionalidade, seja algo bom ou ruim.

Mas a auto-definição "american" pode ser misleading. E reconheço: eles se apropriaram do termo América de maneira muito mais competente que nós. Não entro nas babaquices de chamá-los de "estadunidenses", pelo simples fato de que é feio defini-los simplesmente por seu sistema político federativo. São americanos, portanto. Se são norte-americanos ou simplesmente americanos, depende da semântica.

Mas não há como negar, somos diferentes demais para nos proclamar um continente só. Sustento que abaixo do Canal do Panamá a coisa é diferente. Ora, se Suez divide uma mesma massa de terra entre África e Ásia, porque haveríamos de ser norte e sul? Já não há continuidade de terras mesmo...

Se Colombo descobriu a América, cabe a nós reinventá-la. Proponho que chamemos de Vespúcia a nossa banda. A idéia não é nova, acho que foi o Veríssimo que a teve primeiro, mas pode ter sido só um textos que atribuem a ele na internet.

Afinal, bem ou mal, gostando ou não, somos diferentes. América para os americanos, pode ser. Mas deixem-nos em paz em nosso quintal.

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RAFA @ 18:24 tic-tac-tic-tac

terça-feira, janeiro 09, 2007

De volta... de novo!

Depois de nove meses fora, cá estou de volta. Não posso negar, voltar a escrever foi uma resolução de ano-novo, motivada por uma experiência de intervenção divina que tive no réveillon no Rio. Sim, você leu direitinho: intervenção divina. God got involved. Mas isso merece um post à parte.

Olhando para trás, não sei explicar o motivo da minha parada. Dizem que o blogueiro médio só escreve quando está deprê, mas esse não é o caso. Tive momentos muito ruins e muito bons no ano que passou, e nem por isso senti aquela comoção irresistível de postar. No fim das contas, acho que não tive tempo mesmo. Estava muito ocupado com a vida. Melhor: acho que 2006 foi um ano em que eu estava muito mais ocupado em segurar as pontas do que com viver. Esse ano paguei minhas contas, minhas e dos outros, e vivi um dia de cada vez. E isso não é lá pouca coisa!

Alguns podem achar que virei um pequeno-burguês, como sempre critiquei meus pais. Mas o fato é que ser um jovem adulto de classe média-média não é fácil nesse país de juros altos e pouca vergonha na cara. Se o cartão de crédito não fosse tão proibitivo, me indulgenciaria a algumas semanas de baladas e curtição absoluta once a while. Mas a vida simplesmente não é assim. Viver na capital da república é caro e meu salário de recém-formado não me permite extravagâncias.

Mas o problema de não escrever não foi financeiro, obviamente. Blogar é de graça. O principal mesmo é que cultivei uma relação que me drenava, em vários aspectos. Drenava minha criatividade, minha espontaneidade, meus wits. Mas se a razão apressa-se em culpar, o sentimento entende que não havia escolha. Somos capazes de feitos inimagináveis quando amamos alguém; inclusive de segurar o leme do barco na direção correta em meio à tempestade. Isso nem sempre adianta, e por vezes vemos que os passageiros se desesperam e pulam no bote salva-vidas ao menor sinal de água no convés. Ficamos tristes, indignados, mas o que há de se fazer?

Enfim, 2006 foi um ano esquisito. Mas se não fui feliz esse ano, ao menos descanso tranqüilo em saber que tentei evitar todo tipo de infelicidade ao longo de 12 meses. Acho que deu certo. Pode não ter sido bom, mas decerto ruim não foi. Com tanto contratempo, como poderia ter sido diferente?

(E quando, meu Deus, vou deixar dessa mania de fazer perguntas retóricas?)

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Acho que me expresso melhor escrevendo do que falando. Não que eu ache que escrevo bem, quer dizer, não acho que eu escreva tão bem quanto me dizem. Alguns amigos me disseram que estavam sentindo falta das crônicas do Raridades - talvez seja verdade, talvez eu apenas tenha amigos muito legais mesmo, talvez as duas coisas. Não sei. Só sei que expressar-se é uma necessidade humana, e esse é o meu veículo preferido. A música vem em segundo lugar, mas é só pela minha incompetência como instrumentista, e porque ela por natureza se reserva a momentos especiais.

A palavra escrita me seduz mais pela possibilidade de uma reflexão melhor, e pela perenicidade no tempo. Fica lá, registrado, quase um ato lavrado em cartório. Não que a palavra falada não me seduza: a fala é viva, e a oralidade nos traz justamente a espontaneidade e wit que eu tanto valorizo. Mas nessa seara sofro de limitações técnicas, falo muito rápido, embolo as palavras, sou quase um repentista, ou locutor de jóquei. Sou um caso sério para uma fonoaudióloga - aliás, para uma fonoaudióloga interessantíssima, estória pra outra hora. A palavra falada envolve mais, mas é mais rasa. Deixo os grandes pronunciamentos para os ditadores e políticos.

É claro que me desanima um pouco a moda dos blogs ter passado. Percebo que as pessoas em geral andam dando menos atenção para eles, lendo menos, enfim, deixaram de ser novidade. E por mais absurdo que possa ser, eu escrevo é pra ser lido. Não vou ser hipócrita em dizer "escrevi só pra mim". Mais do que catarse ou memória eletrônica, o blog é uma ferramenta de comunicação. Uma janela para o mundo. Espero aproveitá-la mais nesse ano que entra.

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Aproveito pra dizer que estou fazendo uma faxina aqui. Fiz uma reforma no template, tirei links inativos, atualizei outros... barba, cabelo e bigode.

A aprimoramento deve ser contínuo, e por isso não devo fazer tudo de uma vez. Sugestões são muito bem-vindas. Gostaram do azul-marinho com amarelo-cerveja?

É, estou de volta. Eu sempre volto.

RAFA @ 16:33 tic-tac-tic-tac