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sexta-feira, abril 27, 2007

Os Falsos Progressistas

Acho que há uma falha gravíssima no próprio debate sobre maioridade penal: a falta de precisão lingüística.

O projeto que ontem foi aprovado na CCJ do Senado não reduz a maioridade penal coisa nenhuma. Simplesmente deixa de tratá-la como vaca sagrada. A maioridade continua em 18 anos, mas os maiores de 16 poderiam cumprir pena desde que 1) cometam crime considerado hediondo (estupro, sequestro), e 2) que uma avaliação psicológica determine que o crime foi praticado de forma consciente. Ainda sim, cumpririam pena em separado dos outros presos.

Não se trata de prender ladrão de galinha nesse caso. Todos sabemos que adolescentes podem sim cometer crimes de gente grande se tiverem instrumentos para tal. O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma proteção legal importantíssima, concordo... mas assim como a nossa Constituição, só está adequada apenas a Suécias. Do jeito que está, qualquer "de menor" que cometa um crime não poderá passar mais de 3 (isso mesmo, três) anos em medida sócio-educativa. O crime pode ter sido o mesmíssimo, de roubo a assassinato. A diferença entre se o vivente vai cumprir 30 anos em regime fechado ou se vai cumprir um décimo disso numa Febem da vida é só o fato dele ter passado a "barreira dourada" do décimo-oitavo aniversário. Que fique claro que Cajes e Febens são bem ruins, é verdade, mas aposto que as penitenciárias são infinitamente piores.

Tá achando barbárie? Até em países-exemplo de welfare state e respeito pelos Direitos Humanos, como Canadá, Espanha e Holanda, os casos descritos se aplicam a maiores de 12 anos. Na Alemanha e Japão, 14, e na Escadinávia, 15 anos. Tá certo, não precisa ser 7 anos, omo Austrália e Irlanda, nem 10, como no Reino Unido. Mas, qual é a lógica então? Com 16 anos, no Brasil, é possível votar e escolher os destinos da nação. Pode-se casar, emancipar-se, em alguns casos até dirigir. Mas para o legislador, se der um tiro em alguém, o menor não sabe o que está fazendo. É uma maioridade seletiva, digamos assim. Com bônus mas sem ônus.

Frise-se: o menor de 18 anos só cumprirá pena se o laudo técnico, elaborado por junta designada por juiz, ateste a plena capacidade de entendimento do menor do ato ilícito praticado, e só vale para crimes considerados por lei como hediondos. Ok, precisamos de mais escolas, e menos cadeias. Mas educação não é problema do ordenamento penal. Faz parte da nossa mentalidade ingênua de considerar que a culpa do crime é sempre de alguém abstrato, a sociedade, o sistema capitalista excludente, a falta de escola. A culpa nunca é de quem cometeu o crime.

O pior é ver os falsos progressistas se pronunciando contra a aprovação da PEC. Ontem o Suplicy até mandou o seu recado no rap. Ora senador, eu também gosto dos Racionais MCs... Me emocionei, até. A arte do morro está na mesa do legislador, veja só! Mas do jeito que o sistema está, o crime para o menor infrator é a aprovação no vestibular da Febem, que na grande maioria dos casos (70%, segundo as estatísticas) em três anos forma um criminoso, diplomado, com contatos no submundo, prontinho para ir um pouco além de "reincidir" no crime. Peço encarecidamente que os que se dizem progressistas pensem, com a razão e com a consciência, em relação aos prós dessa medida. E que calem a boca antes de disparar asneiras com as ouvidas ontem no Congresso.

* * *

RAFA @ 11:39 tic-tac-tic-tac

quarta-feira, abril 25, 2007

Nadavê

"Oh vento que faz cantiga nas folhas
No alto dos coqueirais
Oh vento que ondula as águas
Eu nunca tive saudade igual
Me traga boas notícias daquela terra toda manhã
E jogue uma flor no colo de uma morena de Itapoã"


Caymmi

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É gostosa a sensação de que progressos estão acontecendo. Slow, but steady. Uma coisinha aqui, outra acolá...

Meus últimos textos estão uma bosta. Tá uma coisa meio dadaísta, nadavê mesmo. Mas como ninguém anda lendo isso aqui mesmo, tá de boa.

Sofri um ataque espiritual ontem de madrugada. Por sorte estava com forças acumuladas e consegui revidar. Talvez tenha sido uma última e desesperada tentativa de me fazer mal. Percebi de pronto e chamei artilharia pesada. Vamos ver como passaremos a noite hoje. Enquanto isso, a gente canta: Guantanamera, guajira guantanamera...

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RAFA @ 16:27 tic-tac-tic-tac

Black River, Just Lemons e a Filosofia Cognitiva

"longing is a spike
heart's a hammer
hurts the chest, pains in the soul
and turns into a scourge"

Pois é, pessoal. Acho que vou ver o show do Bruno e Mahoney no Torto na sexta-feira. A man's gotta do what a man's gotta do, e além disso, todos sabem da minha indizível paixão pelos assuntos deste Brasil profundo e caipira. E estava aqui com meus botões a refletir sobre sentidos conotativos e denotativos das letras das músicas. Coisas que a maioria das pessoas talvez não tenham se dado conta antes.

O weltanschauung (visão ou crença de mundo, para os filósofos mais clássicos) do caipira se revela nas pequenas frases. Por exemplo, naquela música do Rio Negro e Solimões, De São Paulo a Belém, a frase "vou até o fim do mundo/mas quero encontrar meu bem" supõe crença na predestinação, o que não é nada católico. Calma lá, Rafa, como assim? Simples: se o tal "meu bem" precisa ser encontrado, é porque já existe. Não é uma construção, mas um dado. O camarada vai de cidade em cidade procurando o "meu bem", que apesar de não ter rosto, já está determinado. Logo a crença na predestinação. Alguém aí lembrou do Weber? Seremos uma potência mundial!

Isso fora que o cara fala em chorar umas quarenta vezes na letra. Segundo o Moacyr Scliar, isso revela a melancolia e a solidão tão intrínsecas ao caipira brasileiro. Não se trata de uma música de corno, pura e simplesmente: o caipira é um cara durão, resiliente, acostumado com a lida no campo. Mas as grandes distâncias e a população esparsa deixava difícil o contato com outras pessoas, e desacostumava o uso da linguagem. Por isso, o caipira é um cara de poucas palavras, e quando fala, é de sílabas curtas. Expressa-se com mais intensidade, frases e parágrafos completos, quando a pressão emocional é insustentável. Aí a música de corno.

Okay, isso foi uma viagem pesada, mas bem factível, non? Vou atentar para essas construções de linguagem no show do B&M. Vai ser divertido, especialmente pela quantidade de pincumel que eu pretendo tomar. Thank g'd I won't be driving.

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RAFA @ 12:12 tic-tac-tic-tac

segunda-feira, abril 23, 2007

De porta aberta
Palavras ao vento, sem prentensão nenhuma de virar texto

Nos meus anos de Santo Ângelo aprendi muito sobre a tal sabedoria pampeana, uma espécie de bom-senso popular, sempre com exemplos da lida campeira e do trato com os animais e a natureza. Muitos se manifestam nos famosos adágios gauchescos, sempre com comparações extremas e engraçadas, quando não totalmente esdrúxulas. Um dos meus ditos preferidos é assim: quando alguém perguntava algo do tipo "como está você", o vivente respondia, numa entonação lânguida e malemolente, que estava "tranquilo, que nem água de poço, cagando de porta aberta..."

O uso do verbo "cagar" pode ser bem rude para algumas audiências, mas não podia ser mais apropriado. Na minha pobre cabecinha, cagar de porta aberta é de fato o símbolo máximo da falta de preocupação. Não se trata de falta de vergonha... mas pense bem, o sujeito quando chega a esse ponto já está com a cabeça tão em alfa que não vai nem ligar em alguém passar pelo corredor e vê-lo assim, digamos, diante do trono (ou sentado nele). É a epítome do "tô nem aí".

E eu realmente gosto de tranquilidade. Em uma vida de mudanças de cidade em cidade, sempre fui avesso a qualquer coisa que lembrasse rotina. Rotina pra mim era um sintoma de mediocridade com idéias e com a vida. Mas começo a perceber que as rotinas em algumas áreas da vida permitem a excelência em outras. É como comer, respirar, ou ir ao, digamos, toalete. São coisas tão necessárias, e mesmo assim, as fazemos tão automaticamente... no fim, somos todos mortais, e todos precisamos de oxigênio, pagar as contas do mês e fazer a checklist de coisas pra fazer no trabalho.

Não confundam isso com baianidade. Acredito mesmo que a vida profissional de um operador da bolsa deve ser interessantíssima. Deve ser muito challenging essa coisa de estar com a atenção e o senso crítico sempre ligados, prontos para tomar decisões e fazer prospectos de conjuntura a cada dez minutos ou menos. Realmente gosto das montanhas-russas, do dinamismo e da adaptabilidade do mercado. O problema de trabalhar na montanha-russa é achar todos os outros brinquedos do parque monótonos. You see, esse é o mesmo problema do hedonismo e de outras buscas sistemáticas pelo prazer: as doses necessárias para a mesma satisfação são cada vez maiores. Pergunte a um viciado em cocaína. É praticamente uma verdade universal.

Sou mais Epicuro, para quem a felicidade estava nas pequenas coisas e na moderação dos desejos. Comer é bom, mas empanturrar-se é ruim. Não precisa ser santo, mas é bom andar na linha. Grandes excessos levam a grandes dessatisfações. Gosto da temperança.

Nunca quis ser o primeiro da turma. Essa coisa de ser visto como a referência número um sempre vinha acompanhada de uma responsabilidade que me incomodava por restringir minha liberdade de ser eu mesmo. Mas sempre quis estar naquela meia dúzia bem-lembrada pelos professores. Sempre estive nos top 10%, no primeiro decil, e sempre gostei disso.

Da mesma forma, nunca ia atrás da menina mais bonita. Aliás, sempre achei que a beleza pode ser um grande defeito, por estimular a falta de humildade. "A mais" era quase sempre uma pessoa cheia de manias, caprichosa, arrogante. As charmosas sempre me chamaram mais a atenção, simplesmente porque "charme" é um conceito de beleza que implica alguma habilidade interpessoal, e portanto humildade, caráter e compreensão.

Não gosto de fazer coisas por competição. Prefiro fazer por tesão, puro e simples. Porque me faz bem e porque eu acredito na causa.

Não gosto de coisas caras. Nem comida, nem carro, nem roupa, nem nada. Só de pensar que pode-se comprar uma pequena frota com o que se paga numa Ferrari... já se vai boa parte da satisfação. Não é culpa cristã não, nem a aversão latina e católica à riqueza como disse Weber. É só senso comum mesmo.

Sempre gostei de menos quantidade e mais qualidade. Amigos, os poucos e bons. Perfume é bom, mas cheiro de cangote, de banho tomado e de roupa recém-lavada é muito melhor. Prefiro uma estampa criativa a uma etiqueta famosa. Cor berrante então, deus me livre. Gosto dos meus pequenos pecadilhos. Eles não atrapalham nem machucam ninguém que não eu mesmo. Não serei canonizado de jeito nenhum, mas com certeza não saio por aí breaking people's hearts for sport.

Gosto muito de sexo, de sacanagem e das atividades de alcova relacionadas a isso. Aliás, acho até que sou bem mais tarado do que muito tarado que apontam por aí. Mas nunca gostei do sexo acanalhado, aquela coisa lugar-comum só pelo prazer. Promuiscuidade é feio demais, em mulher e em homem também. Quem pega todo mundo não me pega de jeito nenhum. Como dizia Gilberto Freyre, sexo tem que ser uma expressão do sublime, uma coisa de arte, idiossincrática. Mas nada chicotes, guloseimas e outras perversões. Cada um tem a sua, mas nesse campo eu sou até bem convencional. Só não na frequência em que eu quero, nem na duração.

Ver filme, teatro e exposição é muito bom. Melhor ainda é ver um passarinho chegando perto da sua mesa pra pegar uma migalha de comida, aquele pôr-do-sol espectacular ou a cara de satisfação da menina que gosto depois de um beijo daqueles. Dinheiro, só um pouco mais que o necessário, pra dar garantia e permitir um excessozinho aqui outro acolá. Conforto é bom demais, mas não quero mais a ponto de me deixar mais molenga do que eu já sou.

Em breve continuo isso aqui. Xô ir pra casa, que eu tô cansado...

RAFA @ 18:49 tic-tac-tic-tac

quinta-feira, abril 12, 2007

Do Reinaldo


"Entendam bem. Temos um Ministério do Desenvolvimento Agrário que estimula a invasão de terra e entrega o Incra ao MST; um ministro da Defesa que, junto com o presidente, incentiva a quebra da disciplina e da hierarquia militares; uma secretária da Igualdade Racial que acha legítimo certo racismo; uma secretária nacional de Habitação que, na prática, incentiva a invasão de prédios urbanos. Isso é loucura, maluquice, burrice, estupidez? Não! Isso é método. Trata-se de um modo racional e calculado de fazer política. Não! Não acuso uma conspiração, uma decisão tomada nas sombras, nada disso. O PT assume a sua condição de partido dos “movimentos sociais”. E um partido dos “movimentos” tem a sua face de ação direta, que não pode esperar pela mediação institucional.

Censuro, posts abaixo, a decisão do governador José Serra de criar um grupo executivo para ampliar medidas de reparação racial — ou supostamente racial, já que cor de pele não é raça — em São Paulo. Como digo lá, censuro no mérito (não creio em discriminação positiva; ela sempre é negativa) e também na oportunidade. Ao fazê-lo, o PSDB se alinha com certa militância ligada aos tais “movimentos sociais” que sempre terão uma direção: o PT. Ainda que o PSDB, o DEM ou qualquer outro partido se esforçassem para ter o seu, vá lá, “braço popular”, isso jamais aconteceria porque se trata, felizmente, de entendimentos distintos do que vêm a ser a sociedade e a política. Serra pode impor aquelas cotas se quiser. À frente de querer “justiça”, o movimento é fração de um projeto de poder. E é o do PT.

Vejam lá o que diz a secretária: “Cada movimento da sociedade e cada organização tem a sua estratégia de manifestação". Entenderam? Para dona Inês, a sociedade é o quê? Ora, é um conjunto de “movimentos”, que vão impondo a sua agenda e a sua pauta no grito, no berro. Quem não grita e não berra não é “movimento” e, portanto, não é nada; não merece nem mesmo ser ouvido. A forma mais acabada que o petismo tem de exercer essa sua “democracia” são os seus tais “orçamentos participativos”. Como eles funcionam? Uma parcela mínima do orçamento é debatido com a “comunidade”. Qual comunidade? A comunidade dos petistas dos vários bairros e núcleos que se organizam. Se você quer ser “participativo”, tem de ser um deles.

Inexiste para o petista a democracia do cidadão comum, não-mobilizado, que cuida da sua própria vida e da de sua família, ciente de que suas garantias e seus direitos estão consubstanciados num conjunto de leis. Nada! Isso pra eles é bobagem. O indivíduo só passa a existir à medida que ganha uma identidade reivindicadora, que assume um ethos coletivista, que se põe a serviço de uma causa — a causa, evidentemente, do partido.

É claro que essa mística a que me refiro vale para essa massa de manobra, geralmente gente, com efeito, pobre e ignorante, que ganha, no entanto, a sensação de pertencer a alguma coisa. Já comparei aqui e volto a fazê-lo: o PT tem uma estrutura muito parecida com a dessas igrejas neopentecostais que brotam por aí aos montes (mais novas do que o meu uísque). Da mesma sorte, os dirigentes da Igreja Petista não têm a mesma ingenuidade dos fiéis. Seus “pastores”, “bispos”, “reverendos” e “apóstolos”, se preciso, conseguem ser muito pragmáticos. Mas têm de manter nos fiéis a esperança. Por isso, estimulam esse “tome o que lhe faz falta; é um direito”.

Onde as oposições erram? Ainda não aprenderam a falar ao “cidadão-ninguém”, àquele não mobilizado, ao que não sai gritando por aí “fogo na floresta” — ou, o que é pior, botando fogo na floresta. Querem um exemplo? Os 3,4 milhões de pessoas jurídicas que estão na bica de serem achacadas ou humilhadas por fiscais da Receita não vão para as ruas ocupar prédios públicos, não tomam dos outros o que não lhes pertence, não praticam o assalto social. E, por isso, ninguém dá bola para elas. Mais do que isso: as lideranças de oposição deixam que sejam sacrificadas no altar do petismo, como carneiros. "

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RAFA @ 11:00 tic-tac-tic-tac

terça-feira, abril 10, 2007

Uma Fábula Fabulosa e Teleguiada

(singela homenagem a Millôr Fernandes)




Era uma vez uma rosa muito vermelha e bonita, e que se sentia envaidecida em saber que era a mais linda do jardim. Por anos a rosa viveu feliz na certeza de sua beleza. E tudo corria bem.

Um dia, porém, a rosa deu-se conta que as pessoas somente a admiravam de longe. Sentiu-se isolada, sozinha. Queria seu fã-clube mais próximo - na verdade, queria mesmo era ser carregada pela sua massa de aficionados. Seria a glória, a apoteose.

Estava decidido: algo precisava ser feito. Algo forte, que a aproximasse definitivamente de seus admiradores. E precisava ser já. Tinha ânsia de sentir-se amada e importante de novo. Sentia que estava perdendo tempo de primavera para exibir-se.

Não se dando conta que tinha espinhos - e de que essa era a verdadeira razão da distância dos observadores - a rosa logo achou um motivo para o calvário que vivia. Sim, a culpa era do sapo, um cururu enorme e verde que morava a seu lado. O sapo era um amigo fiel e tranquilo, mas pensou ela: aí está a razão de todo o meu sofrimento. Pensou: o sapo é feio e asqueroso, não lava o pé, e ofusca minha beleza. Ademais, onde já se viu, um sapo andar ao lado de uma rosa tão linda, nobre e bem-nascida?

Indignada com sua constatação, a rosa ordenou ao sapo que se afastasse dela imediatamente. Disparou-lhe pérolas do mais puro egoísmo, dizendo-lhe que eram "diferentes" demais para estarem tão próximos. O sapo entristeceu-se, revoltou-se, mas por fim aceitou se mudar.

Algum tempo depois, o sapo passou por onde estava a rosa, e se surpreendeu ao vê-la murcha, sem folhas nem pétalas. Estava sem viço nem cor.

Penalizado, o sapo coaxou: - Que coisa horrível, o que aconteceu com você?

A rosa respondeu: - É que, desde que você foi embora, as formigas me comeram dia a dia, um pouco por vez, e agora nunca voltarei a ser o que era.

O sapo responde, consternado: - Quando eu estava por aqui, comia todas as formigas que se aproximavam de ti. Por isso é que eras a mais bonita do jardim...

Moral da Estória: todos nós temos espinhos. Mas quando nos falta senso crítico, a famosa "noção"... aí pan, fode tudo.


"Sou rosa vermelha, ai meu bem querer,
beija-flor, sou tua rosa, hei de amar-te até morrer"


(Foto de domingo, na casa do Durval na ParkFarAway.)

RAFA @ 17:42 tic-tac-tic-tac

segunda-feira, abril 09, 2007

Ausência Presente
(um sambinha bem torto)

Esse ano, nêga, vai ser diferente
Esse ano, nêga, não tem presente.

Nada de objeto abjeto para demonstrar um afeto
Já tão bem mostrado em beijo, abraço, ombro amigo
Avisa aí no gueto, que lá vem um repente reto
do nêgo do Gâmbia fera, mas ferido

O carinho se foi, e com ele os livros, os cedês,
camiseta, as lembrancinhas coloridas de mulhé
- das pelúcias, chocolates, clichês
Não sobrou um bagulhinho sequé

Tanto tesouro, e hoje tudo parece troco
Mouedas de um centavo, perto da imensidão
de pensamento, sentimento, atenção
Dessa casa só tem ruína, só sobrou reboco

Mas esse ano não tem grife nem muamba
Esse ano não tem róque, não tem samba.

Não tem mais mediocridade comezinha
Nem nobres atos
Não tem beijo, nem aperto de mão
Não tem abraço.

O que sobra são ruínas
Resume-se a desconfortos confortáveis
solidões em multidões
uma paz estranha e fria

Não tem mate, nem sol no iate
não tem debate, combate, nem pedra de quilate
não tem biscate nem maltrate
só tem tomate

Mas esse ano, não tem telegrama
Esse ano, sem café na cama

Não tem programa, melodrama, bela dama
nem pijama, nem mama nem mucama
Não reclama, que essa lama não me engana
Saí da gana da sacana

Esse ano, nêga, vai ser diferente
Esse ano, mulé, não tem presente.


* * *

Frases feitas repetidas
Rituais diários de exorcismo
- e estranha veneração.

Sobram as fotos, ah, as fotos...
El álbum a mi cabeza sólo con fotos tuyas
se llena

É o orgulho do amputado em realizar sua vida,
apesar de todos os pesares
Mas ainda sentir o membro, vez por outra.

Sobra essa sensação estranha
misto de alívio
com a impressão de que fazemos muito pouca falta

Mulher, teu nome é egoísmo, ingratidão, devaneio.
O que vai ter esse ano?
Uma lembrança esquecida
um nada amargo
e uma ausência (de) presente.

RAFA @ 18:58 tic-tac-tic-tac

quarta-feira, abril 04, 2007

Não se trata de negar o racismo no Brasil ou na UnB. Ele existe, e é tão cruel quanto silencioso. Está presente no dia-a-dia, nas gavetas mais recônditas dos corações e mentes de colegas, professores e funcionários. Fica lá, se escondendo, covarde que é. Mas ele fala alto, manifesta-se em pequenas e grandes coisas, é influente nos juízos e decisões cotidianas. Difícil será o caminho para que um dia tenhamos uma sociedade que respeite minimamente o direito que todos temos de sermos o que somos: diferentes.

Mas convém não misturar alhos e bugalhos se quisermos enfretar esse problema de forma eficaz. Racismo e xenofobia são males próximos, mas definitivamente longe de serem a mesma coisa. Em meus anos de graduação e mestrado (sete, para ser mais preciso) tive a oportunidade de conviver intensamente com colegas moradores do CEU. E sempre tive notícia de problemas sérios de convivência entre os moradores, boletins de ocorrência por roubo, discussões, brigas, em muito causados pelo abandono das instâncias decisoras da universidade com um espaço tão importante na vida de qualquer campus.

Sabemos também que nossos colegas de países africanos têm costumes bem diferentes dos nossos, e também entre si - arrisco-me a dizer que tão diferentes que faz qualquer generalização como "africano" no mínimo inapropriada. Cabo-verdianos, angolanos e nigerianos têm a cor da pele em comum, mas podem ser tão diferentes como nós e os argentinos. Conviver com a diversidade gera riqueza de experiências, mas também tensões. E se lidar com a diferença em uma relação a dois já é complicadíssimo, no coletivo as coisas tornam-se um constante exercício de caminhar sobre ovos. Junte-se o estado de abandono completo do CEU, e temos um barril de pólvora.

A rádio-corredor da UnB tem ruídos, mas funciona muito bem. E com a informação que temos, sabemos que as tensões com os alunos africanos se dão pelo fato de serem estrangeiros e de um estrato social mais pobre. As reclamações mais comuns que já ouvi diziam respeito ao horário das festas e outros encontros, ao asseio nas instalações, ao barulho, à recorrência de atividades "ilícitas". Pergunto-me: seria diferente se fossem com estudantes russos, indianos ou chineses? Creio que não. Mais uma vez repito: não se trata de se negar o racismo na UnB ou no Brasil. Mas deste humilde ponto-de-vista, não há sistemática racista com relação a esse caso. Há sim xenofobia. E ela deve ser combatida com igual seriedade.

Mas o que mais me impressiona é a agilidade oportunista com que grupos sectários de nossa universidade se apropriaram do ocorrido como bandeira de luta. Chamo-os de sectários porque têm por finalidade dividir, não de integrar; de aprofundar as diferenças, e não a de estimular sua aceitação. Acho de uma ironia sarcástica a existência desses grupos em um Campus que leva o nome de Darcy Ribeiro. Um tempo atrás deparei-me com um "Espaço de Convivência Negra", corrijam-me se eu estiver errado. Não era um "espaço para a diversidade cultural" ou qualquer coisa do tipo: o título estava bastante claro. Perguntei-me se eu, nordestino e semita, seria bem-vindo. Preferi não pagar pra ver.

Não venceremos a batalha por corações e mentes se insistirmos em um modelo de confrontação, aprovando cotas e demarcando espaços como trincheiras. A palavra convence, mas o exemplo arrasta. Só venceremos o racismo se pregarmos e agirmos com tolerância, em pequenas vitórias, no dia-a-dia. Aos sectários, recomendo a leitura de Gandhi. Esse sim conseguiu praticar o que pregava.


"Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha
"

RAFA @ 14:53 tic-tac-tic-tac