:: Raridades ::
segunda-feira, abril 09, 2007

Ausência Presente
(um sambinha bem torto)

Esse ano, nêga, vai ser diferente
Esse ano, nêga, não tem presente.

Nada de objeto abjeto para demonstrar um afeto
Já tão bem mostrado em beijo, abraço, ombro amigo
Avisa aí no gueto, que lá vem um repente reto
do nêgo do Gâmbia fera, mas ferido

O carinho se foi, e com ele os livros, os cedês,
camiseta, as lembrancinhas coloridas de mulhé
- das pelúcias, chocolates, clichês
Não sobrou um bagulhinho sequé

Tanto tesouro, e hoje tudo parece troco
Mouedas de um centavo, perto da imensidão
de pensamento, sentimento, atenção
Dessa casa só tem ruína, só sobrou reboco

Mas esse ano não tem grife nem muamba
Esse ano não tem róque, não tem samba.

Não tem mais mediocridade comezinha
Nem nobres atos
Não tem beijo, nem aperto de mão
Não tem abraço.

O que sobra são ruínas
Resume-se a desconfortos confortáveis
solidões em multidões
uma paz estranha e fria

Não tem mate, nem sol no iate
não tem debate, combate, nem pedra de quilate
não tem biscate nem maltrate
só tem tomate

Mas esse ano, não tem telegrama
Esse ano, sem café na cama

Não tem programa, melodrama, bela dama
nem pijama, nem mama nem mucama
Não reclama, que essa lama não me engana
Saí da gana da sacana

Esse ano, nêga, vai ser diferente
Esse ano, mulé, não tem presente.


* * *

Frases feitas repetidas
Rituais diários de exorcismo
- e estranha veneração.

Sobram as fotos, ah, as fotos...
El álbum a mi cabeza sólo con fotos tuyas
se llena

É o orgulho do amputado em realizar sua vida,
apesar de todos os pesares
Mas ainda sentir o membro, vez por outra.

Sobra essa sensação estranha
misto de alívio
com a impressão de que fazemos muito pouca falta

Mulher, teu nome é egoísmo, ingratidão, devaneio.
O que vai ter esse ano?
Uma lembrança esquecida
um nada amargo
e uma ausência (de) presente.

RAFA @ 18:58 tic-tac-tic-tac