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segunda-feira, abril 23, 2007

De porta aberta
Palavras ao vento, sem prentensão nenhuma de virar texto

Nos meus anos de Santo Ângelo aprendi muito sobre a tal sabedoria pampeana, uma espécie de bom-senso popular, sempre com exemplos da lida campeira e do trato com os animais e a natureza. Muitos se manifestam nos famosos adágios gauchescos, sempre com comparações extremas e engraçadas, quando não totalmente esdrúxulas. Um dos meus ditos preferidos é assim: quando alguém perguntava algo do tipo "como está você", o vivente respondia, numa entonação lânguida e malemolente, que estava "tranquilo, que nem água de poço, cagando de porta aberta..."

O uso do verbo "cagar" pode ser bem rude para algumas audiências, mas não podia ser mais apropriado. Na minha pobre cabecinha, cagar de porta aberta é de fato o símbolo máximo da falta de preocupação. Não se trata de falta de vergonha... mas pense bem, o sujeito quando chega a esse ponto já está com a cabeça tão em alfa que não vai nem ligar em alguém passar pelo corredor e vê-lo assim, digamos, diante do trono (ou sentado nele). É a epítome do "tô nem aí".

E eu realmente gosto de tranquilidade. Em uma vida de mudanças de cidade em cidade, sempre fui avesso a qualquer coisa que lembrasse rotina. Rotina pra mim era um sintoma de mediocridade com idéias e com a vida. Mas começo a perceber que as rotinas em algumas áreas da vida permitem a excelência em outras. É como comer, respirar, ou ir ao, digamos, toalete. São coisas tão necessárias, e mesmo assim, as fazemos tão automaticamente... no fim, somos todos mortais, e todos precisamos de oxigênio, pagar as contas do mês e fazer a checklist de coisas pra fazer no trabalho.

Não confundam isso com baianidade. Acredito mesmo que a vida profissional de um operador da bolsa deve ser interessantíssima. Deve ser muito challenging essa coisa de estar com a atenção e o senso crítico sempre ligados, prontos para tomar decisões e fazer prospectos de conjuntura a cada dez minutos ou menos. Realmente gosto das montanhas-russas, do dinamismo e da adaptabilidade do mercado. O problema de trabalhar na montanha-russa é achar todos os outros brinquedos do parque monótonos. You see, esse é o mesmo problema do hedonismo e de outras buscas sistemáticas pelo prazer: as doses necessárias para a mesma satisfação são cada vez maiores. Pergunte a um viciado em cocaína. É praticamente uma verdade universal.

Sou mais Epicuro, para quem a felicidade estava nas pequenas coisas e na moderação dos desejos. Comer é bom, mas empanturrar-se é ruim. Não precisa ser santo, mas é bom andar na linha. Grandes excessos levam a grandes dessatisfações. Gosto da temperança.

Nunca quis ser o primeiro da turma. Essa coisa de ser visto como a referência número um sempre vinha acompanhada de uma responsabilidade que me incomodava por restringir minha liberdade de ser eu mesmo. Mas sempre quis estar naquela meia dúzia bem-lembrada pelos professores. Sempre estive nos top 10%, no primeiro decil, e sempre gostei disso.

Da mesma forma, nunca ia atrás da menina mais bonita. Aliás, sempre achei que a beleza pode ser um grande defeito, por estimular a falta de humildade. "A mais" era quase sempre uma pessoa cheia de manias, caprichosa, arrogante. As charmosas sempre me chamaram mais a atenção, simplesmente porque "charme" é um conceito de beleza que implica alguma habilidade interpessoal, e portanto humildade, caráter e compreensão.

Não gosto de fazer coisas por competição. Prefiro fazer por tesão, puro e simples. Porque me faz bem e porque eu acredito na causa.

Não gosto de coisas caras. Nem comida, nem carro, nem roupa, nem nada. Só de pensar que pode-se comprar uma pequena frota com o que se paga numa Ferrari... já se vai boa parte da satisfação. Não é culpa cristã não, nem a aversão latina e católica à riqueza como disse Weber. É só senso comum mesmo.

Sempre gostei de menos quantidade e mais qualidade. Amigos, os poucos e bons. Perfume é bom, mas cheiro de cangote, de banho tomado e de roupa recém-lavada é muito melhor. Prefiro uma estampa criativa a uma etiqueta famosa. Cor berrante então, deus me livre. Gosto dos meus pequenos pecadilhos. Eles não atrapalham nem machucam ninguém que não eu mesmo. Não serei canonizado de jeito nenhum, mas com certeza não saio por aí breaking people's hearts for sport.

Gosto muito de sexo, de sacanagem e das atividades de alcova relacionadas a isso. Aliás, acho até que sou bem mais tarado do que muito tarado que apontam por aí. Mas nunca gostei do sexo acanalhado, aquela coisa lugar-comum só pelo prazer. Promuiscuidade é feio demais, em mulher e em homem também. Quem pega todo mundo não me pega de jeito nenhum. Como dizia Gilberto Freyre, sexo tem que ser uma expressão do sublime, uma coisa de arte, idiossincrática. Mas nada chicotes, guloseimas e outras perversões. Cada um tem a sua, mas nesse campo eu sou até bem convencional. Só não na frequência em que eu quero, nem na duração.

Ver filme, teatro e exposição é muito bom. Melhor ainda é ver um passarinho chegando perto da sua mesa pra pegar uma migalha de comida, aquele pôr-do-sol espectacular ou a cara de satisfação da menina que gosto depois de um beijo daqueles. Dinheiro, só um pouco mais que o necessário, pra dar garantia e permitir um excessozinho aqui outro acolá. Conforto é bom demais, mas não quero mais a ponto de me deixar mais molenga do que eu já sou.

Em breve continuo isso aqui. Xô ir pra casa, que eu tô cansado...

RAFA @ 18:49 tic-tac-tic-tac