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terça-feira, junho 05, 2007

A outra margem

É engraçada essa busca incessante que temos pelo auto-conhecimento. Vivemos nossas próprias vidas 24 horas por dia, e mesmo assim, we can't get enough of ourselves. Mais do que só sabedoria, conhecer-se melhor nos torna pessoas mais conscientes, de lide mais fácil. Mas... qual o limite disso? Não é narcisismo demais ficar focado no próprio umbigo sempre?

Tudo na vida moderna é na primeira pessoa do singular. As porções são individuais, e as kitchenettes são compartimentos do tamanho certo para a intolerância das pessoas com as outras. Nelas, há o espaço (restrito) necessário ao exercício do auto-amor. Aliás, me dei conta recentemente que esse auto-amor tem conotações até meio masturbatórias. Os carros cabem quatro, mas só carregam esse número mágico: um. E nos restaurantes? Outro dia vi pessoas esperarem de pé no self-service do Don Durica, porque não tinha mesa. Cadeira e lugar pra comer tinha, mas sabe como é, sentar na mesma mesa de um desconhecido é algo tão intolerável que os yuppies engravatadinhos preferiam ficar de pé. E quando vagava a mesa lá iam eles, sentar-se para almoçar. Numa mesa de quatro lugares, mas onde só um pode comer.

Procurar o outro dá trabalho, exige coisas difíceis de serem exercitadas, tipo tolerância, respeito, humildade. Então por que se importar, né? Muito mais prático é fazer as coisas assim, modernamente, hermeticamente. E assim, o que era primeira pessoa impessoaliza-se, torna-se vazio. E aí, haja Prozac e outros ópios - legais e ilegais - para dar conta.

Estou chegando à conclusão que a única coisa boa a se fazer sozinho é dormir. O resto, se faz a dois, ou mais. O melhor de ir pro barzinho é que a garrafa de cerveja tem 600 ml, muito pra uma tacada só, e pouco pra uma noite. Então, é pra beber a dois ou três - porque pra quatro é melhor pedir mais uma.

Já falei há muito tempo atrás que não consigo ser amigo de pessoas utilitaristas. Sou o avesso disso, muitas vezes faço coisas absolutamente inúteis, inútil do verbo sem função mesmo, nem divertir, nem prazer, nada. Talvez o único sentido disso seja não virar robozinho. É o Rafa, menino sério, mas irredento. Eles têm meu trabalho e meu tempo, mas não colonizarão a minha cachola. Talvez eu até seja uma ilha... mas sou uma ilha legal, cheia de barcos e vôos regulares. I'm fucking Ibiza. E não é no sentido Will Freeman da coisa. E definitivamente, minha ilha nunca se basta em si. Sempre está povoada, mesmo quando está sozinha.

Começo a me dar conta, talvez meio tardiamente, de que a verdadeira natureza da samsara é essa prisão do ser, essa de tudo por si e para si. A iluminação está na outra margem... mas para isso temos que cruzar esse rio de impermanência, insatisfação e impessoalidade. Essas três marcas da existência para o Budismo, que aliás, tem feito cada vez mais sentido pra mim. At least tem me ajudado a ordenar o caos de pensamentos que essa cabecinha anda tendo.

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RAFA @ 16:56 tic-tac-tic-tac