:: Raridades ::
segunda-feira, julho 16, 2007

Saudades III

Uma chamarra, uma fogueira
Uma chinoca,uma chaleira
Uma saudade, um mate amargo
E a peonada repassando o trago
Noite cheirando a querência
Das tertúlias do meu pago

* * *

RAFA @ 11:28 tic-tac-tic-tac

segunda-feira, julho 02, 2007

Me sinto feliz. O propósito desse post é tentar explicar isso. E acho que a chave para tanto não é a definição desse adjetivo, mas o verbo. "Sinto" é o núcleo do sentido dessa frase, e justamente por isso não comecei o post com um "estou feliz": decerto seria mais curto e sonoro, mas para dizer isso, teria que saber o que é felicidade em termos substantivos, pois só assim é possível defini-la como um estado. Como não sei, fico no campo das sensações, dos adjetivos.

Já cheguei a acreditar que eu era um sujeito de natureza verdadeiramente melancólica. Sim, eu tenho meus momentos, muitos, de desapontamento com o mundo que me cerca. É uma dúvida ontológica que me acompanha há muito, e à qual já me dei conta que não tenho como escapar. Sou uma alma cética, talvez por ser botafoguense. Quem pára pra pensar seriamente sobre a vida não fica por aí a dar pulinhos de alegria. É a mais pura verdade: tristeza não tem fim, felicidade sim. A feiúra do mundo é infinita, e a beleza resume-se a alguns exemplos esparsos. Mas mesmo com toda tristeza, feiúra e injustiça, não quer dizer que o mundo seja uma merda completa. It's worth fighting for it, em uma citação incompleta do Hemingway. Hoje, sei que a melancolia, apesar de presente, não está na minha essência, do contrário não seria capaz de um humor tão espontâneo. Vejo hoje a melancolia como um mal necessário a quem pensa, e até saudável quando a medida dela é apenas o suficiente para garantir a lucidez.

Há um tempo atrás li "Saturno nos trópicos" do Moacyr Scliar. Sempre digo que é um dos livros da minha vida, tanto que poderia tê-lo escrito eu mesmo - isso é, se fosse um gênio literário como o Scliar. Por entre as páginas me deparei com uma perspectiva menos teórica e abstrata sobre felicidade e melancolia; algo mais concreto, que as situa na história das idéias como filtros de percepção, e como faculdades concretas da mente, em vez de simplesmente objetos sensíveis só no platonismo do plano das idéias. E assim tem sido a minha percepção: o debate ontológico para mim não foi e não será resolvido, mas perdeu importância. Caiu na prioridade, não só pelas questões mais urgentes da vida cotidiana, mas porque passei a ver as questões da mente por um prisma mais externo, material, que já percebe seus pensamentos como ações e reações, como o médico que analisa o sintoma.

Burke tratava do problema da paixão de uma maneira bastante acurada. Como estamos a falar de propriedades da mente, podemos dizer que a propriedade segue a qualidade do ente que a gera. Ergo, mentes intensas podem estar incrivelmente tristes, incrivelmente felizes, ou incrivelmente estáveis. É uma questão de como se dão os acontecimentos na linha do tempo; oportunidade e sorte, enfim. Acho que o termo "Condição Humana" é um dos mais precisos na história do pensamento: o problema do Ser para uma cadeira é uma coisa, para nós, primatas espertalhões, é outra. E como a principal característica da ação humana é a de não possuir marco zero - sendo portanto sempre a continuidade de um processo anterior - temos que vê-la pelo prisma das condicionantes do cenário, e dos vários "ses" que um ouve ao longo de sua existência nesse grão de poeira azul.

Como não poderia ser diferente, a sensação de felicidade sempre vem acompanhada de uma certa incredulidade. Como os fatos felizes são frutos do acaso e aparentemente inexplicáveis, sempre hei de desconfiar de qualquer cenário positivo que me apareça - afinal sou botafoguense, um eterno desconfiado. Mas sim, por mais que eu esteja muito cansado da rotina e sem muitas perspectivas de mudança à vista, o presente está working just fine. Papai do céu - tá bom, o Dharma - tem me abençoado com sincronicidades muito felizes na vida pessoal: shows maravilhosos, de tradição e modernidade (Gotan Project e Mariza), momentos em família, grandes noitadas com os amigos do peito, e com uma nova companhia pra lá de interessante. É tanto que falta tempo para o descanso necessário, aliás, muitas vezes até o próprio corpo esquece-se do cansaço e topa mais dois ou três rounds de atividades, o que é fantástico. As coisas não chegam a estar fantásticas, a felicidade não está ainda na intensidade que sei que sou capaz, mas já é digno de nota. Não chega a ser uma Gouden Eeuw, e sei que uma hora a coisa acaba. Mas é como eu digo: confio na minha esperteza para me dar bem na vida, e na minha própria estupidez para estar satisfeito com isso.

RAFA @ 12:13 tic-tac-tic-tac