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segunda-feira, novembro 26, 2007

Diário de bordo, feriadão.

Destes mares cinzentos e enrugados de dentro da minha caixa craniana, saem algumas reflexões sobre "life, the universe and everything" que tive nesse último feriadão. Elas podem parecer banais, triviais até, mas pra mim tiveram um significado especial - bem no espírito deste blogue, de registrar pequenas coisas e pensamentos com grandes significados.

A primeira é a impressão que tenho é de que o tempo parece passar mais devagar pra mim. Ou melhor: o tempo dura pra mim, pro bem ou pro mal. Quase nunca tenho a sensação de que o Tempo está passando muito rápido e tenho que me esforçar para laçá-lo, como se ele fosse um boi desembestado. Prefiro encontrar o Tempo assim, na cerca, com um chumaço bem grande de capim na mão, pra dar de comer na boca.

Sinto que por causa disso consigo envelhecer mais devagar. Talvez de fato nunca me torne um homem adulto, simplesmente porque sinto que sou incapaz de matar o menino de oito anos que mora lá dentro e que, no fim das contas, é o verdadeiro Rafa. Por vezes é difícil ser criança em um mundo tão louco - aliás, durante algum tempo achei que a minha quest of life era a de achar um fiozinho de sanidade que seja nesse mundo maluco. Não é mais: achar a sanidade implica em chamar seus maiores medos, desejos e contradições para a porrada, e ganhar. Por enquanto vou levando as coisas num certo autismo infantil, humildemente reconhecendo a enorme complexidade do mundo frente à nossa pequenez, e assim mantendo-me alheio a qualquer grande problema existencial. Metafísica é assunto interessantíssimo, coisa fina e séria, mas dedicar-se a ela endoida MESMO.

* * *

Triste constatação de Marsellus Wallace: "Pride only hurts, it never helps. So fuck pride". O orgulho é uma merda, e além de tudo mata. Isso mesmo, o orgulho ma-ta.

Soube da estória de uma menina que nasceu em dezembro de 1979, ou seja, quase exatamente da minha idade. Ela era escocesa e tinha uma mente brilhante, era formada em relações internacionais e tinha mestrado em economia na London School of Economics. Tocava piano, gostava de Nouvelle Vague, de arte impressionista, de curry e de ir à praia nas Ilhas Canárias. Era uma moça bonita, de classe média alta, independente, com uma família que a amava com dois cachorros beagle. Eis que ela sofria de transtorno bipolar. A tal moça brilhante matou-se atirando-se no trilhos do metrô de Londres logo antes do trem chegar. Foi vítima de seu próprio orgulho - ela negava-se a reconhecer que tinha o transtorno, achava que tudo o que tinha eram fases excessivamente boas seguidas de fases excessivamente ruins, por isso nunca procurou tratamento nem ajuda. Para um amigo próximo formado em psicologia era bastante clara a condição da tal menina, e ele insistia para que ela procurasse auxílio especializado. Não adiantou.

A tal flor da Escócia talvez temesse o que todas as pessoas que possuem depressão clínica diagnosticada mais temem: o estigma. Mesmo quando estão curados, muitos não conseguem se livrar da eterna pecha de "coitados" ou de "doidos" - é sempre mais fácil para a sociedade compartimentalizar as pessoas em cercadinhos estereotípicos e pré-definidos. É assim com todos aqueles que não se encaixam no perfil médio das pessoas: o preto, o gay, o judeu, o japonês, a vagabunda, o louco, a histérica. Mas o que me surpreende mais não é essa atitude coletiva tão burra, com o perdão do pleonasmo. O que me chama a atenção é que, se formos contabilizar, a maioria de nós acumula em sua personalizade algum perfil de minoria, uma que seja, e mesmo assim, aceita-se e reforça-se essa repressão por meio dos estigmas. Isso faz com que pretos sejam racistas, gays homófobos, galinhas e vagabundas moralistas.

Algo me diz que isso tudo é culpa do orgulho. E que, no fim, tê-lo é incompatível com qualquer postura tolerante de aceitar o outro como ele é. Coisa cretina, cretiníssima.

RAFA @ 17:03 tic-tac-tic-tac